- Caso alguém esteja a favor do homem, coloque também a cabeça na guilhotina.
Silêncio.
Sssklapt! Tum.
Era um grande homem. Nunca falou nada além do necessário; falava muito. Era de poucos sorrisos, não olhava pra frente, só pro chão ou pro céu. Era considerado o mais respeitado entre os amigos. Entre os vizinhos, o mais devasso: seu sexo era sempre seguido de urros. Devia ser um homem feliz. Os que viram seus olhos de frente, contam que variava de cor, entre o azul do céu e o vermelho da terra. Quando foi decaptado, estava de olhos fechados. Talvez dormisse, talvez rezasse. Nunca foi à igreja e, no julgamento, isso foi levantado contra ele. Ninguém do povoado ia à igreja. Até o Padre tinha preguiça da igreja. Até Deus tinha preguiça daquela Igreja, Ele não passava por ali fazia uns bons 35 anos. O homem tinha 35 anos. Deus nunca conheceu o homem. A igreja o conheceu, em seu batizado, no dia 25 de maio de 1968. Os vizinhos denunciaram o homem, 34 anos após seu batizado, que acabou sendo levado a julgamento. Em frente a igreja, no meio da praça, de olhos fechados, foi guilhotinado. Ninguém estava a seu favor, nem os amigos, nem o céu, nem a terra. Deus? Talvez, se o conhecesse. O coitado morreu por ser feliz, fazia sexo todas as noites e o prazer fluía em urros. Deus está ao seu lado, a seu favor, ele gosta de homens felizes.
Segundo, espero, sábias informações do baiano fajuto, a fruta gogoia assemelha-se a uma tangerina, vulgo, mexerica. Mas a tal Gitá Gogoya, na música Reconvexo, de Caetano, cantada por Bethânia, ninguém sabe. A única informação que tive foi de que era alguma coisa de candomblé, mas não consegui confirmar tal hipótese.
Mudando de assunto, sabe que passou lá em casa uma velha senhora, com seus últimos dentes carcomidos, me dizendo sobre Astro e Estrela. O cheiro que exalava era agonizante, nos olhos sobravam lágrimas secas. A voz era rouca e esquecida, de quem fala pouco. Astro e Estrela eram seus animais de estimação. Ela precisava doá-los, afinal, sabia da sua condição de pós-idosa, ou melhor, pré-morte e tinha medo de deixar os animaizinhos sós. Seu medo era de que, após sua morte, os animaizinhos tivessem fome e, sem ninguém para alimentá-los, comessem seu corpo, já semi-apodrecido pela idade. "Eles podem ter indigestão", se preocupava a velha. Contou-me que, certa vez, precisou comer a mãe; a mãe de Estrela. E a indigestão só não foi pior por ter descoberto novidades, na morta e saborosa carne da mãe. Os vizinhos acreditam que só com a morte da mãe, de Estrela, a velha conseguiu sair de casa. Ela havia sido deixada, ainda moça, pela sua mãe, que nunca mais voltou. Anos depois a mãe de Estrela morreu e, com fome, a velha, ainda moça, a comeu. Entre sangue e entranhas, encontrou a chave de casa: a mãe de Estrela havia comido a chave e nunca a cagou! A moça, tão feliz, descobriu que sua mãe planejara tudo antes de ir-se de casa, e não simplesmente tinha a esquecido como aos bichos. A verdade ficou como sendo esta e hoje ela está velha e feliz. Apenas preocupada com os bichos, que podem comé-la depois da morte. Mal sabe a velha que Estrela e Astro, bichos imaginários, não querem comé-la. Pude contar, apenas nos braços, pernas e pescoço, aproximadamente 49 bernes que a comem aos poucos e exalam um cheirinho de pus pelos gordos buracos. As cáries já comiam os ossos... Mas lá estava a velha, preocupada com seus bichos e um sorriso no rosto. Estrela, um peixinho Neon, já havia morrido, junto com sua mãe, anos antes. Astro nunca existiu. A única certeza era a constelação de bernes desnomados que, quando a velha se for, morrerão de fome. Coitados.
Maria Bê, na música Reconvexo, canta "...sou Gitá Gogoya..." e confunde as ouvintes: uns acham que é fruta gogoya outros Rita Gogoya. Mas afinal, quem é Gitá Gogoya?!
